Caracterização e relevância
do tema
Uma das marcas dos direitos
humanos é a sua dificuldade de conceituação. Isso se
dá em função de sua transformação constante e histórica ampliação. Some-se a
isso a indefinição terminológica.
Pensadores e doutrinadores nas mais diversas áreas de conhecimento trazem
diferentes terminologias para discursar sobre o direitos que, na prática, sao
inerentes a todos os seres humanos: direitos naturais, humanos, do homem,
individuais, públicos subjetivos, liberdades fundamentais, liberdades públicas,
direitos fundamentais do homem e direitos humanos fundamentais.
Ingo Sarlet e Canotilho (2003. p. 33) entendem
que
[...] o termo direitos fundamentais aplica-se para aqueles direitos do ser humano
reconhecidos e positivados na esfera do direito constitucional positivo de
determinado Estado, ao passo que a expressão direitos humanos guardaria relação com os documentos de direito
internacional, por referir-se àquelas disposições jurídicas que se reconhecem
ao ser humano como tal, independente de sua vinculação com determinada ordem
constitucional [...].
O que se pode afirmar é que, independente dessas
indefinições terminológicas, os direitos humanos encontram fundamento numa consciência ética e coletiva, motivo
pelo qual ficam resguardados de alterações ou supressões por parte do Estado ou
de qualquer ente com capacidade legislativa (no plano interno ou
internacional). Possuem uma nota característica, que é a relação íntima com o princípio da dignidade da pessoa
humana, consagrado na Constituição Federal de 1988, em seu artigo 1º, inciso III,
como fundamento da República Federativa do Brasil.
Os direitos humanos incluem o direito de viver livre, dizer
o que se pensa, ser tratado como igual bem como são os únicos que se aplicam
absolutamente a todos os grupos humanos, em qualquer lugar. Em outras palavras
os direitos humanos têm, como característica geral, a universalidade. Contudo,
é bom lembrar que basicamente todo o histórico dos direitos humanos no mundo
foram construídos sem levar em conta o multiculturalismo, que permite, sem
dúvida alguma, que se pense na cultura de cada povo e se dê espaço ao
relativismo. Conforme Santos
(2013, [s.p.]),
A marca ocidental, ou melhor,
ocidental liberal do discurso dominante dos direitos humanos pode ser
facilmente identificada em muitos outros exemplos: na Declaração Universal de
1948, elaborada sem a participação da maioria dos povos do mundo; no
reconhecimento exclusivo de direitos individuais, com a única excepção do
direito colectivo à autodeterminação, o qual, no entanto, foi restringido aos
povos subjugados pelo colonialismo europeu; na prioridade concedida aos
direitos cívicos e políticos sobre os direitos económicos, sociais e culturais
e no reconhecimento do direito de propriedade como o primeiro e, durante muitos
anos, o único direito econômico.
Nesse sentido, de acordo com as Nações Unidas, existem 30 espécies
de direitos humanos que são agrupados e aparecem na Declaração Universal dos
Direitos Humanos, de 1948, o documento mais aceito no mundo sobre o assunto.
Todavia, levamos um longo tempo para chegar a este documento,
e para, enfim, publicizar os direitos do ser humano. Desta forma será
contextualizada a história[1]
que resume o surgimento dos direitos humanos, culminando na Declaração
Universal.
Historicamente, em um passado remoto, não havia direitos
humanos. Se você estivesse do lado “certo”, estaria seguro, caso contrário, não
estaria. Então, um homem chamado Ciro, “o grande”, depois de conquistar a
Babilônia, decidiu mudar as coisas e fez algo extremamente revolucionário...
anunciou que todos os escravos eram livres; ele também proclamou que as pessoas
tinham direito de escolher sua crença ou religião, não importando o grupo ao
qual faziam parte. Suas palavras foram registradas em um tablete de barro que
ficou conhecido como “Cilindro de Ciro”. Alguns pesquisadores afirmam ser esta
a origem dos direitos humanos. Na história as idéias de Ciro espalharam-se
rapidamente, para Grécia, Índia e finalmente Roma.
Em Roma, os “governantes” perceberam que as pessoas seguiam
“naturalmente” certas leis, ainda que estas não fossem ditas. Eles chamaram isso
de “lei natural”, mas estas continuavam ignoradas por aqueles no poder. Até que,
mil anos mais tarde, na Inglaterra, um certo rei apelidado de “João Sem Terra” teve
que concordar que ninguém pode anular os direitos do povo, nem mesmo um rei. A
pressão dos estamentistas fez com que, em 1215, fosse declarada a “Magna
Carta”, que foi redigida em latim bárbaro, e, não exatamente trouxe direitos
humanos a todos, mas, de certa forma, limitou o poder do Estado Absolutista.
Levou um tempo – entre quatrocentos a quinhentos anos (!) – mas a vontade de
direitos humanos espalhou-se pelo continente europeu e por suas colônias. Nasce
a América e, nos Estados Unidos, os ideais de liberdade e igualdade são cunhados pelos federalistas
na primeira Constituição escrita do mundo, de 1787 e depois na chamada
Declaração de Direitos da Filadélfia, em 1791.
Nessa mesma época, os franceses, por impulso da burguesia, seguiram
com sua própria revolução, lutando pelos seus direitos e trazendo ao mundo a
famosa Declaração dos Direitos do Homem e do Cidadão, de 1789, seguida pela
Constituição Francesa, de cunho individualista, promulgada em 1791. Eles
insistiam que esses direitos não tinham sido inventados, eram naturais. Então o
conceito romano de Lei Natural tornou-se Direitos Naturais. Infelizmente, nem
todos ficaram satisfeitos e, na França, um general chamado Napoleão decidiu
derrubar a democracia, declarando-se Imperador... do mundo. Ele quase
conseguiu, mas os países europeus juntaram forças e o derrotaram, então os
direitos humanos voltaram a ser um tema de interesse.
Nesse passo, foram feitos muitos acordos que valiam na
Europa, o “resto” do mundo não estava incluído, ao invés disto, estes países
foram invadidos e consumidos pelos impérios massivos da Europa. Um jovem
advogado indiano decidiu que já era o suficiente. Face à violência, Gandhi
insistiu que todas as pessoas da terra tinham direitos, não apenas na Europa.
Por fim até mesmo os europeus começaram a concordar.
Mas nada seria tão fácil. No século vinte, tivemos duas grandes
guerras mundiais... um certo homem conhecido como Hitler, nascido na Áustria, e
que tinha em seu currículo a liderança do Partido Nacional Socialista dos
Trabalhadores Alemães, exterminou metade da população judaica da terra em campos
de concentração terríveis. Ao todo, aproximadamente 9 milhões de seres humanos
morreram, sem contar as torturas físicas e psicológicas que deixaram marcas
profundas em quem não morreu. Nunca os direitos humanos estiveram tão próximos
da extinção, nunca o mundo esteve tão desesperado por mudança.
Vários países se juntaram e formaram as Nações Unidas -
antiga idealização do ex-presidente estadunidense Wilson, que deu início a tal
organização após a primeira guerra sob o nome de Liga das Naçoes - cujo
propósito básico era reafirmar a fé nos direitos humanos fundamentais, na
dignidade e no valor da pessoa humana.
Ainda cabe a pergunta do começo, afinal o que são direitos
humanos? Seria a proclamação de Cirus, a lei natural de Roma, a declaração da
França, todos pareciam ter uma idéia diferente do que os direitos humanos
deveriam ser, então sob a supervisão de Eleanor Roosevelt, chegou-se a um
conjunto de direitos que se aplicam absolutamente a todos, a Declaração
Universal dos Direitos Humanos. Ao chegarmos finalmente nesta declaração parece
que parte de nossos problemas estariam solucionados.
Todavia se temos estes direitos como explicar o fato de que
16 mil crianças morrem de fome todos os dias, uma em cada 5 segundos. Se temos
liberdade de expressão por que milhares de pessoas são aprisionadas por dizerem
o que pensam? Se todas as pessoas tem direitos a educação por que mais de 1
bilhão de adultos são incapazes de ler? Se a escravidão foi realmente abolida,
por que ainda hoje, de acordo com os dados do Relatório da Organização
Internacional do Trabalho (OIT-2005) sobre trabalho escravo, em todo o mundo
cerca de 12,3 milhões de pessoas são vítimas de trabalhos forçados e, dentre
estas de 40 a
50% tem menos de 18 anos.
Ou, nesse mesmo sentido, inúmeras manifestações de violência
que partem do próprio Estado, através de seus agentes. A violência da Brigada
Militar, por exemplo, em casos como o do agricultor de setenta e quatro anos
Selvino Michalski, que foi morto por ela no Rio Grande do Sul (RIO GRANDE DO
SUL, 2012, p. 221) e mesmo nos publicamente relatados casos de agressão ao
supostos atos de vandalismo nas inúmeras manifestações Brasil afora no ano de
2013.
A questão é que quando foi assinada a Declaração Universal
dos Direitos humanos esta não tinha força de lei, era opcional. Depois disso,
ainda foram assinados muitos tratados internacionais, além de constituições e leis
de proteção promulgadas. Sem contar as políticas públicas dos Estados que se
denominam socias-dirigentes. Ainda assim, a grande problemática é: quando os
direitos humanos deixaram de ser palavras e se tornarão realidade?
Neste sentido, uma abordagem histórica dos direitos humanos
requer mais do que situar esta luta utilizando-se de datas e documentos. É necessário
reconhecer e (re)afirmar os direitos humanos, “através da luta permanente
contra a exploração, o domínio, a vitimização, a exclusão e todas as formas de
apequenamento do humano” (CARBONARI,
2010, [s.p]). Os direitos humanos,
[...] constituem a base das lutas
pela emancipação e pela construção de relações solidárias e justas. Por isso, o
processo de afirmação dos direitos humanos sempre esteve, e continua
profundamente embricado às lutas libertárias construídas ao longo dos séculos
pelos/as oprimidos/as para abrir caminhos e construir pontes de maior
humanidade. Isso porque, a realização dos direitos humanos é um processo
histórico, assim como é histórico seu conteúdo.
(CARBONARI, 2010,
[s.p])
Barcellos
(2011, p.1) cita o pensador esloveno Zizek, que assinala: “o
discurso sobre direitos humanos seja em primeiro lugar um discurso político,
capaz de criar um movimento de politização dos inocentes contra o poder.”
Nota-se, portanto, que, apesar das inúmeras declarações de
direitos humanos ao longo da história, há diferença entre proclamar direitos e
desfrutá-los no campo prático, emancipá-los. Eis que se apresenta o problema da
efetivação. Tenta-se afirmar, de
tempos em tempos, uma “era dos direitos”
(BOBBIO, 1992) , quando, na realidade, a cada dia, vive-se em
realidades de “massa dos sem direitos”.
No sentido da concretização dos
direitos humanos – notadamente no âmbito local e regional -, o Núcleo de Ação em Pró-Direitos Humanos
da Unicruz pretende atuar interdisciplinarmanete, buscando contribuir, de forma
coletiva, através de sua comunidade acadêmica, através do ensino, pesquisa e
extensão, e mesmo de ações comunitárias que não se enquadrem em tais
atividades, com o auxílio de voluntários e participação da comunidade externa, para
disseminar e buscar instrumentos de garantia dos mesmos.
Justificativa do projeto
A Universidade de Cruz Alta, em agosto de 2011 foi convidada a ser
parceira da Rede Escola de Governo do Estado do Rio Grande do Sul. A parceria
partiu da possibilidade da instituição desenvolver um trabalho junto aos
servidores públicos e agentes sociais no que diz respeito às diversidades
sociais, especialmente a questão do envelhecimento populacional, das
necessidades especiais e da diversidade sexual e de gênero. A partir disso então,
estabeleceu-se para a Instituição desenvolver o Programa Gestão de
Políticas Públicas para os Direitos Humanos: Necessidades Especiais, Diversidade
Sexual e Geracional (Envelhecimento). Foi nesse momento que o interesse da Instituição
em trabalhos que tenham os Direitos Humanos como tema central se tornou mais
palpável.
Cabe
destacar que as temáticas enfatizadas nos programas da UNICRUZ, vieram de
encontro com as atividades já desenvolvidas desde o ano de 2000, através de
seus grupos de pesquisa, como o GIEEH – Grupo Interdisciplinar de Estudos do
Envelhecimento Humano e GPEHP – Grupo de Pesquisa em Estudos Humanos e
Pedagógicos, em projetos de pesquisa e extensão na área do envelhecimento e das
necessidades especiais, tendo em vista o respeito aos direitos humanos de
inclusão e às diversidades.
Inicialmente,
estes projetos de pesquisa e extensão eram desenvolvidos de forma isolada pelos
pesquisadores específicos de cada área havendo ainda pouca interação entre as
diferentes áreas do conhecimento.
Após
firmar a parceria com a Fundação para o Desenvolvimento de Recursos Humanos do
Rio Grande do Sul e início da execução do programa da rede escola de governo
UNICRUZ com ênfase Direitos Humanos: Necessidades Especiais, Diversidade
Sexual e Geracional (Envelhecimento) em direitos humanos percebeu-se a necessidade
da criação de um Núcleo de direitos Humanos com características
interdisciplinares. Desta forma seria possível a discussão de todas as
temáticas abordadas pelos Direitos Humanos como: diversidade étnica, ética,
transparência, cidadania, dentre outras possibilidades de criação de novos
grupos temáticos.
A UNICRUZ atua na comunidade de Cruz Alta como auxiliar no
enfrentamento das ameaças e lesões aos direitos humanos. Para isso, atualmente, conta
com – atuando através dos mais variados cursos de graduação e pós-graduação
lato e stricto sensu[2] - programas, projetos
de pesquisa e extensão[3], além de ações
comunitárias isoladas e convênios estatais para fomentar as ações em
prol da proteção dos mesmos (a exemplo da já citada Rede Escola de Governo,
promovendo seminários e capacitações[4] e
do Projeto Profissão Catador[5],
conveniado à Petrobrás, que, certamente, auxilia na promoção da não violência
com o incentivo ao trabalho). Isso, sem dúvida, justifica a criação de um Núcleo
de Ação em
Pró-Direitos Humanos e do presente projeto, para fomentar
atividades específicas nas áreas temáticas que tal Núcleo abarca.
Assim,
em 25 de abril de 2012 foi aprovado pelo Conselho Universitário o regulamento do Núcleo de Ação em Pró Direitos Humanos
da Universidade de Cruz Alta.
Este
Núcleo tem por objetivo geral desenvolver atividades de ensino, pesquisa e
extensão em direitos humanos e cidadania, mediante o emprego de abordagem
interdisciplinar do interesse da Universidade de Cruz Alta, da comunidade
externa e de instituições parceiras.
Reside
aí a importância de se promoverem ações que beneficiem a comunidade de maneira
geral no sentido de reconhecer e conviver com
as diversidades, respeitando-as em todas as suas dimensões éticas, sociais,
políticas, culturais, mas acima de tudo, o respeito ao direito humano de viver
à sua maneira, com a sua idade, condição sexual, de cor, de raça, de tribo ou
de condição social.
[1] Deixar-se-á de citar referências
aqui, pois os fatos contados aqui são históricos e constam em documentos de
domínio público.
[2] Notadamente, em razão do recém aprovado mestrado interdisciplinar
em Práticas
Socioculturais e Desenvolvimento Social: http://www.unicruz.edu.br/capes-aprova-proposta-da-unicruz-de-mestrado-em-praticas-socioculturais-e-desenvolvimento-social-n7720.html
[3] Vide site da universidade para pesquisar os projetos de pesquisa e extensão.
[4] Vide notícias sobre: http://www.unicruz.edu.br/busca.php?busca=rede+escola+de+governo
[5] Projeto Profissão Catador, que contribui com a
construção de alternativas coletivas para a organização dos Catadores de Cruz
Alta, através da criação de associações para a coleta, separação, armazenamento
e comercialização de materiais recicláveis, e conta com a participação de
diversas mulheres catadoras, notadamente no bairro de Fátima, em Cruz Alta. Vide:
http://profissaocatador.blogspot.com.br/
[6] Vide ANEXO 3 [RESOLUÇÃO Nº 06/2012 - Dispõe
sobre a aprovação do Regulamento do Núcleo de Ação em Pró-Direitos Humanos
– e REGULAMENTO]
REFERÊNCIAS
BARCELLOS. J. A
Perspectiva Zizekiana dos Direitos Humanos. Jornal da Liga dos Direitos
Humanos. Faculdade de Educação da UFRGS> Porto Alegre. Brasil. Janeiros de
2011.
BOBBIO, Norberto. A Era
dos Direitos. Rio de Janeiro: Campus, 1992.
CARBONARI, P. C.
Direitos humanos: sugestões pedagógicas – Passo Fundo: Instituto Superior de
Filosofia Berthier, 2010.
COMPARATO, Fábio Konder. A afirmação histórica dos direitos humanos.
3. ed. São Paulo: Saraiva, 2004.
RELATÓRIO DA ORGANIZAÇÃO
INTERNACIONAL DO TRABALHO (OIT), 2005. Disponível em: <http://www.marcosgeograficos.org.br/pdf/html.php?id=130 >
Acesso em 09. ago. 2013.
RIO GRANDE DO SUL.
Assembleia Legislativa. Comissão de Cidadania e Direitos Humanos.
Relatório Azul : 2012. -
Porto Alegre: Assembleia Legislativa do Rio Grande do Sul, 2013.Disponível em:
http://www2.al.rs.gov.br/jefersonfernandes/LinkClick.aspx?fileticket=5dRkZmhFIFU%3D&tabid=4377
SANTOS, Boaventura de
Sousa. Por uma Concepção Multicultural de Direitos Humanos. Disponível em:
<http://www.dhnet.org.br/direitos/militantes/boaventura/boaventura_dh.htm
> Acesso em 13. ago. 2013.
SARLET,Ingo Wolfgang. A
eficácia dos direitos fundamentais. 3. ed. Porto Alegre: Livraria do Advogado,
2003.
Nenhum comentário:
Postar um comentário